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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

ESTADO LAICO, NAÇÃO RELIGIOSA, POR DOM ROBISON CAVALCANTI, BISPO DE OLINDA, ESSE É O CARA!

Estado Laico e Nação Religiosa



O Estado nacional é o ente político formado a partir da Idade Moderna, após a derrocada, no Ocidente, do Sacro-Império Germânico Romano, e a hegemonia da Igreja de Roma. Mil anos antes já havia desaparecido o Império Romano do Oriente, sob o modelo do césaro-papismo e sob a hegemonia da Igreja Bizantina, substituído pelo Império Otomano, oficialmente islâmico. Os três modelos, até então, representavam o que a humanidade havia conhecido na quase totalidade da sua história: a vinculação formal entre a instituição religiosa e instituição política, sendo sua expressão maior a teocracia.



Em seus primórdios modernos, o Estado, sob o princípio “Cujus regio, ejus religio” (“De acordo com a sua região, sua religião”) viu prevalecer o modelo de Estado Confessional: católico romano, ortodoxo, luterano, anglicano, presbiteriano, islâmico, etc. Esse modelo, agora sob a égide da Ordem Constitucional, subsiste, em alguns países, ainda em nossos dias, concomitante (no caso de alguns) com o assegurar da liberdade religiosa. As revoluções burguesas principais tomaram caminhos diferentes: a Inglaterra manteve a Igreja Anglicana como religião nacional, mas assegurou, crescentemente, o princípio da igualdade perante a Lei para os seus cidadãos; os Estados Unidos separaram constitucionalmente Igreja de Estado, mas reconhecem a dimensão religiosa em sua sociedade e em sua cultura; a França (Iluminismo, Positivismo) enveredou por uma posição mais rígida e mais anti-religiosa.



O Brasil teve, do seu Descobrimento até a Proclamação da República (1500-1889), a Igreja Católica Apostólica Romana como religião do Estado, com evidente conjunto de privilégios, caminhando, ao final desse período para uma crescente “tolerância” para com as minorias. A Primeira República (1891-1930), separou Igreja de Estado (inclusive com o apoio da minoria protestante), mas foi ao extremo do pêndulo laicista (aqui também o Positivismo foi marcante) de um laicismo ao modelo francês. A partir da Constituição de 1934 até a presente Constituição de 1988, o laicismo brasileiro foi mantido, incorporando muito da tradição norte-americana, embora setores das elites sempre se sentissem atraídas pelo modelo francês. Não há dúvida que o Estado brasileiro é laico, mas, a manutenção de nomenclaturas, símbolos e efemérides, bem como a cooperação com instituições religiosas da sociedade civil, indicam um reconhecimento da natureza religiosa da Nação. Um importante elemento de ordem legal constitucional é que a nossa Carta Magna registra em seu texto que foi redigida invocando a proteção de Deus. O Estado brasileiro é Laico, não é teocrático nem ateucrático, mas, a partir de sua Lei Maior, revela (no que já foi descrito como) um teísmo espiritualista e aconfessional, em uma sábia e realista fórmula.



O Estado é um ente jurídico, de Direito Internacional Público e de Direito Constitucional, e um ente político, pois se pretende “a sociedade politicamente organizada”, e a sociedade, com suas instituições, movimentos e relacionamentos, o precede, e que se vincula ao Estado jurídica e politicamente, e, de forma afetiva e simbólica, também sob a noção de Pátria. A Antropologia nos ensina que antes de se vincularem aos Estados, os povos se constituem em Nações (em um Estado, em vários Estados, partilhando um Estado com outras, ou sem Estado), e que, ao lado da Lei (o jurídico) e do Poder (o político), há uma vinculação pela Cultura. O partilhar de uma História em comum, com seus traços culturais, seus usos e costumes, seus ritos de passagem e seus valores formam uma Nação – inclusive a nação brasileira. Uma das variáveis centrais de uma cultura é a sua dimensão religiosa, de onde emana muito de seus costumes e valores – de sua própria identidade. O saudável Laicismo contemporâneo vem sendo distorcido – a partir do espaço euro-ocidental – por uma agressiva ideologia secularista, que pretende uma rígida separação, como impossíveis vasos não-comunicantes, entre Estado e Nação, vedando os argumentos (e até os símbolos) religiosos da esfera pública, decretando a irrelevância da religião para o “foro íntimo” (subjetividade) ou para os espaços privados dos lares e dos templos. Nenhuma religião séria, e nenhum religioso comprometido, pode aceitar passivamente essa “camisa de força” que se lhes pretendem impor os herdeiros de uma tradição ocidental que já estão sendo chamados de “fundamentalistas iluministas”.



O Brasil tem, por outro lado, um alto índice de religiosos não-praticantes (uma contradição em termos), ou “ao meu modo”, em geral não somente não seguidores, mas desconhecedores dos ensinos e preceitos da sua própria religião, e que se surpreende, e se revolta, em descobri-los, como se tem visto recentemente por pessoas que se dizem católicas romanas diante dos dispositivos do Código de Direito Canônico de sua Igreja diante do matrimônio ou do aborto.



O discurso da “tolerância” das nossas elites (inclusive intelectuais) está sendo posto em cheque com o crescimento da percentagem protestante da nossa população, sendo esses em sua maioria “praticantes”, e que forma uma parcela significativa da “nova classe média” (“classe C”), que não apenas se torna consumidora, mas chega trazendo uma maior preocupação com valores familiares e de moral pessoal. Vale lembrar que foram os escravagistas e os capitalistas do século XIX que orquestraram os discursos da “religião para o foro íntimo”, incomodados com religiosos abolicionistas ou defensores de uma legislação trabalhista e previdenciária. Esse negócio de “ética” sempre incomoda, e a tradição religiosa judaico-cristã (e islâmica) afirma uma religião de revelação, com uma ética de revelação, com conceitos e preceitos, que hoje se choca com as propostas secularistas do “politicamente correto” e da agenda GLSBT.



Se rejeitamos qualquer tentação teocrática, não iremos muito longe com o posicionamento agressivo de parte da nossa inteligência e da mídia, a acusar de “obscurantistas”, “fundamentalistas”, “retrógrados”, “aiatolás” as pessoas que procuram vivenciar a sua cidadania incluindo sua identidade religiosa, parte inseparável da Nação, especialmente os que defendem o direito a proteção do Estado à vida desde a sua concepção. A questão da defesa da vida não é uma “questão religiosa”, pois tem sido defendida por religiosos e não religiosos, sob o prisma da biologia, do direito e da filosofia, julgando ser um sofisma o argumento do “direito da mulher ao seu corpo”, dissociado do outro corpo da qual ela é uma transitória hospedeira e guardiã. A educação sexual sadia e responsável, o uso de anticoncepcionais, o acompanhamento pré-natal, natal e pós-natal, tão deficientes em nosso sistema de saúde pública devem ser denunciados e cobrados dos gestores públicos a sua implementação, mas nada disso justifica o não-direito à vida.



Temos denunciado, com veemência, todo rebaixar do nível da campanha eleitoral, especialmente calúnias ou a instrumentalização/manipulação do argumento religioso ou moral. Mas, temos que nos confrontar com a verdade da existência de vários projetos tramitando no Congresso Nacional que atentam contra a liberdade religiosa, e até criminaliza algumas das suas expressões. Há uma diferença entre martírio e masoquismo, e a comunidade religiosa não vai aceitar passivamente violações aos seus direitos, e está atenta para o comportamento particular de alguns políticos e alguns partidos. É necessário franqueza, verdade e transparência, e não apenas negação retórica ou vitimização.



Os netos do Iluminismo na academia, na mídia, nas artes ou no aparelho do Estado revelam o seu desconforto (e a sua agressividade) com uma realidade nacional que teima em não repetir o secularismo euro-ocidental, com uma nação que pulsa dentro do Estado, com o surgimento da classe C como atora política significativa, bem como a presença crescente e marcante dos protestantes que apenas querem agir como protestantes. O Estado é desafiado a se reconciliar com a Nação, os netos do Iluminismo são desafiados ao caminho da humildade e do respeito, e os políticos (com sinceridade) a aprender com os fatos, sob o preço de serem atropelados por eles.



O resto é mero jus sperniandi que não concorre para o bem-comum.



Olinda (PE), 10 de outubro de 2010,

Anno Domini.

+Dom Robinson Cavalcanti, ose

Bispo Diocesano

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